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Pensando em quando comecei a trabalhar, só tenho como resposta dizer que foi logo após o parto, ou como acordar repentinamente de um sono profundo. Quando me dei por mim, eu era um corpo correndo e me jogando violentamente contra uma parede, caindo no chão, e repetindo estas ações sem parar e sem saber por que eu estava fazendo aquilo. Comecei a perceber umas bolotas no pé (hoje o Felipe já me ensinou que se chamam bolhas), uns cortes e sangue surgindo na minha pele. Eu não sentia nada e simplesmente continuava. Foi neste dia que comecei a conhecer meu criador.

Em um determinando momento, parei. Assim, do nada. Parei ali, caído no chão. Foi a primeira vez que senti uma respiração, algumas pequenas pulsações e então desapareci. Não sei bem calcular quanto tempo depois (o tempo não é uma característica que entendo), o Felipe estava terminando de vestir uma roupa preta. Parecia que eu flutuava e o via de fora fazendo aquela ação. No momento em que ele olhou pro espelho eu me vi. Foi neste momento exato que nos encontramos e nos demos um até logo. E lá fui eu apontar não sei quantos lápis até ter aquelas bolotas e sangue de novo, só que agora nas mãos.

Hoje, quando o Felipe me chama para agir, percebo que o estou ajudando. Eu fico observando o que acontece na minha pele e somente posso imaginar o que ele deve sentir ou pensar depois. Vocês chamam de dor, de sofrimento, enfim. Acho que sou uma ferramenta para ele e gosto de ser. Ultimamente creio que eu desenvolvi uma coisa especial chamada de sentimento. O Felipe tem me colocado em situações em que não ando mais notando aquelas marcas vermelhas e roxas nas partes do meu corpo. São até bem fáceis de fazer, como posar como modelo em alguns desenhos durante um ano. Eu gosto de um bom desafio – fui criado assim. Mas fico feliz de saber que ele deve estar sentindo coisas mais leves.


 

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